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Depois de te bater, ele pede desculpa?

Aquele que oprime é um eterno insatisfeito. A mulher entende que, quando cumprir certas exigências, o relacionamento vai fluir. Engano. Ele sempre encontrará mais razões para sua insatisfação e seguirá no delírio de perfeição. Quanto maior for a utopia, maior é o desgosto que o relacionamento consolida na vida dele. E ele a culpa, claro. Ela, eventualmente, acaba acreditando que o problema é mesmo ela. 

O jornalista estava fazendo uma matéria sobre mulheres agredidas e me pediu uma entrevista. Falei sobre a dificuldade em contar o que está acontecendo, pedir ajuda, fazer a denúncia. Todos naturalizam ou relativizam a violência. Família, vizinhos, amigos e mesmo pessoas envolvidas no atendimento oficial às vítimas. Ele me pergunta: 

 

__ Sim, mas por que você não se separou logo?

__ Você não ouviu nada do que eu disse até agora? A mulher precisa de ajuda para sair de um relacionamento abusivo. Quando ela tenta, o cara segura. A mulher precisa de apoio. Sozinha ela morre. É simples e brutal assim. O homem mata porque pode. Porque é mais forte.

 

O número de atendimento à mulher, 180, recebe e registra denúncias. Disseram-me que meu relato seria encaminhado para a delegacia da região e o sujeito seria intimado a depor. Nada nunca aconteceu. Sem ouvir testemunhas ou corpo de delito, a denúncia é arquivada. Pelo telefone a polícia não pode obter nenhuma das duas provas. A denúncia, então, converte-se nos gráficos acima, sem nenhuma consequência para o agressor e dificultando a percepção da vítima sobre  o que é realmente necessário fazer: comparecer a uma delegacia física, de preferência já acompanhada de um representante jurídico e testemunhas, exigir que a ocorrência seja registrada, mostrar todas as provas de agressões ou ameaças e acompanhar o andamento do inquérito, que tem prazo de seis meses para prescrever ou virar um processo penal. Sem isso, é como se nada tivesse acontecido.

Eu sinto ciúmes de você com você mesma.

Muitas pessoas acham que mulheres sofrem violência doméstica por terem baixa autoestima. Isto é parcialmente verdade. Uma mulher pode entrar em um relacionamento abusivo com seu amor próprio em condições saudáveis e ir declinando aos poucos. A violência nunca começa grande, importante. Ela vai se estabelecendo como uma forma discursiva cotidiana e banal. Começa com críticas, falta de apoio, dificuldade de diálogo. Vai se consolidando com ofensas, chantagens, brigas explosivas. Nos primeiros episódios, a violência física pode parecer sem querer, um equívoco: um arranhão, um empurrão. Pode ter acontecido sem intenção. A evidência da intencionalidade da atitude fica clara quando a violência é deflagrada em atos graves, hematomas, ameaças e cerceios. No começo da nossa relação, o homem que me agrediu, por exemplo, dizia sentir ciúmes de mim comigo mesma. Isso porque eu poderia perfeitamente estar sozinha, não implorava a companhia dele, não brigava quando ele saía com outras pessoas, não pedia satisfações. Eu me sentia tranquila com

minha vida e meus afazeres. Isso era encarado por ele como uma ameaça. “Como assim ela não vai correr atrás de mim? Então ela não me ama?” Amava. Mas o amor por outro não compromete em nada o seu amor próprio.

Ele não vai parar de te bater, de gritar com você ou de te ofender. Ele não vai parar porque isso não é sobre você, o que você faz ou o que poderia fazer. Isso é sobre quem ele é, como concebe relacionamentos, como se estabeleceu a interação entre vocês e, principalmente, como o lugar de autoridade se instalou. Ele não vai parar, porque o exercício de poder é confortável, porque a colaboração não é possível quando há competição, porque ele já entendeu tudo errado. Ele não vai parar. Quem tem que parar é a vítima de violência. Parar de esperar que as coisas mudem. (Clique sobre as imagens para ver os quadrinhos.)

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