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O artista esquecido

Não me lembro exatamente quais eram os critérios e sob quais condições escolhemos fazer o trabalho daquela disciplina sobre um relojoeiro. Mas foi o que fizemos. Um de nós o encontrou. Outro de nós emprestou a câmera. Outro gravou e um repetido entrevistou Wilson Fecuri aos 70 anos, em 2008.

 

Começou a carreira em mecânica. Não gostou. Partiu para os microrganismos: relojoaria e ourivesaria. No tempo dos mostradores digitais de celulares, o Wilson, que fez a vida e criou a filha cuidando de máquinas miúdas, viu Mônica chegar em tempo tardio feito de consumo, obsolescência e descarte frenéticos. Mas é bonito ouvi-lo falar a se dar importância. “Cada cliente, cada pessoa que entra aqui na minha loja, é um amigo meu. Se não é, se torna. Eu ajudo a marcar o tempo de vida deles.”

 

Sempre no mesmo ofício, Wilson ia na Porta da Esperança como colaborador de Silvio Santos, realizando sonhos alheios. Juntou dinheiro e perdeu 4 vezes em 4 assaltos. Acumulou dívidas e juntou dinheiro novamente. “Minha profissão representou a minha vida, mas não sei se vai representar a vida da Mônica.” Provavelmente não. Fizemos a entrevista e ficamos de voltar com uma cópia do material. Demoramos. Quando voltamos, a loja não estava mais lá. 

Quando pensei pela primeira vez, parecia uma boa ideia. O que ouve aquele que ouve? Sobre o que as pessoas falam? De quantas histórias saberia um telefone público? Declaração de amor, amizade, de não-vivo-sem-você, despedida para suicídio, homicídio, viagem sem volta, desenganados. Confissão de saudade, dor, arrependimento, aviso de mau hálito, pedido de demissão, casamento, divórcio, dinheiro emprestado, atenção, socorro, cafuné e receita de cuscuz. Imaginávamos de tudo até ver a desolação da ideia posta em prática.

 

Um orelhão em pleno centro da cidade de São Paulo que sustenta, além do gancho sempre conectado, muitas propagandas do sexo mais livre, selvagem e salivar possível. Ao redor, cada indivíduo passando com seu respectivo telefone individual, fazendo pouco caso do aparelho público, ainda que o colocássemos para tocar insistentemente na Praça da República. Esquecemos as funções coletivas, porque a convivência dá trabalho e sempre tem um para exercitar a truculência. Que ideia de jerico querer saber o que ouve aquele que fala sozinho.

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