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Distinções

__ Eu quero saber em quê nós somos diferentes, Camila. __ Em tudo. __ Em quê? Isso é importante para mim. __ Farei o possível para te mostrar o que seriam esses dois gladiadores numa mesma arena:

O primeiro entraria armado até os dentes, arrogante, cínico, disposto a qualquer apelo, vigoroso, fisicamente resistente, olhos claros vidrados, certeiros, tatuagens como signo da dor que é capaz de suportar. Ele se espelha nos cavalos, usa os cascos o tempo todo, cospe como um camelo e sua ira é prenúncio de incêndio. Na derrota, prefere tocar fogo e ver a destruição completa do que desejou. Não se preserva, não se poupa, não poupa nem a quem ama na própria trajetória. Amor e ódio convivem na extensão dos cabelos escuros lhe coroando as ideias, brigando pela orientação da mesma espada. Esse primeiro não leva escudos. Tem o corpo todo de espinhos, não deixa pele para carícias, não se convence do prazer ou da nobreza possível na servidão amorosa, gentil. Só abre mão do que não lhe convém. Traz os punhos em riste, o queixo baixo e o cenho franzido. Sua figura longilínea oscila tensa e altiva na firme decisão de não se entregar.

O segundo emergiria das zonas umbráticas lentamente, sem ansiedades, sem expectativas, sem confiança, sem afirmações ou negações, sem convicção de que o adversário está numa posição necessária. Caminharia regularmente e sem hesitar até o centro da arena e baixaria qualquer mérito ou artifício que lhe tenha sido concedido em privilégio da luta. Seus olhos morenos contemplariam a cena inteira, público, sol, areia, as próprias sandálias e se ressentiria do calor. O inimigo plantado à frente pareceria ridículo. Ele se riria e diria algo sobre o brilho da lança: "sinal de decadência". Sem desenhos na pele nem mais signos senão cabelos cinzentos, a postura é de quem prefere contemplar o espetáculo promovido por outros, o grande show que o arrasta sem vontade, cultivando como semente tardia a dignidade de si mesmo e daqueles a quem ama. O segundo compreende que a integridade é fugidia e se esconde em lugares estranhos. Na prerrogativa do desejo de não lutar qualquer luta e no cógito da morte, por exemplo.


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